Muitos já ouviram, mas poucas pessoas ainda sabem o que a sigla significa NFT. Uma pesquisa online conduzida em Março pelo site YouGov com 3.677 adultos americanos sugere que apenas 12% da população dos Estados Unidos conhecem o conceito.
Non-Fungible Token é um certificado digital que garante a autenticidade de um ativo existente no mundo virtual; vale desde um meme ou gif até uma obra de arte digital.
Um NFT é único: não pode ser trocado nem fracionado, independentemente de quantas cópias daquele artigo estão circulando pela internet — e por isso já tem despertado o interesse de colecionadores.
O mercado da música vem demonstrando interesse nas oportunidades trazidas pelos NFTs. Os tokens abrem novas possibilidades financeiras para os artistas, inclusive os desconhecidos do grande público e que dependem de ganhos minguados via serviços de streaming.
Bandas e artistas de renome, como The Weeknd, Kings of Leon e Steve Aoki, também já estão aderindo à onda e investindo em seus primeiros NFTs.
Quem adquire o NFT da música de uma banda, por exemplo, garante também uma fração dos royalties a serem ganhos com a faixa nos meios digitais (a porcentagem é definida pelo artista). Ou seja: a compra pode se tornar lucrativa e servir como investimento a longo prazo.
Empreendedores brasileiros começam a desbravar esse mercado. Além de gerar e vender tokens, eles têm o desafio de educar o setor artístico, fãs e investidores sobre as oportunidades do NFT.
Pioneira no país, a Brodr nasceu em Belo Horizonte, em Junho de 2020, como um marketplace de ativos musicais por NFT. A inspiração para o modelo veio de benchmarks como a americana Royalty Exchange e a ANote Music, que tem sede em Luxemburgo.
O quinteto de sócios é formado por Ricardo Capucio, Henrique Mascarenhas, Khalil Sautchuk, Max Oliveira (fundador da MaxMilhas) e Márcio Buzelin, tecladista da banda Jota Quest.
(Foto: Getty Images)
Ricardo, CEO da Brodr, explica como funciona a plataforma:
“A gente pega uma parte minoritária de um ativo musical e fraciona esse ativo em pequenos pedaços, contratos menores chamados music shares. Aí usa a tecnologia NFT para criar a certificação digital desses contratos”.
Com a criação dos NFTs, esses ativos podem ser comercializados em plataformas cripto pelo mundo. No site da Brodr, é possível comprar em reais, por Pix, num modelo de leilão.
Ao adquirir uma cota, o comprador passa a receber uma fração dos royalties a serem gerados pela obra. O percentual é definido pelo artista em conjunto com a Brodr (que por sua vez fica com uma taxa de 5%).
Em Maio de 2021, a startup comemorou a venda de 100% das 7 mil cotas de seu primeiro projeto; o catálogo incluiu o compositor gospel Guilherme Franco, do Duo Franco, o DJ de música eletrônica LOthief, e o álbum "Digno – Global Worship", composto por versões nacionais de músicas gospel americanas.
“Em 2020, fizemos três IRO (Initial Rights Offering) com diversos artistas”, explica Ricardo. “Foram mais de 300 obras musicais e mais de 10 fonogramas. Cada comprador optava por comprar a quantidade de music shares que estivesse interessado”.
Antes de fazer a compra, o investidor tem acesso a dados de faturamento com royalties e projeções futuras para embasar melhor sua decisão de compra. Segundo o CEO, os ativos têm rendido acima de 1,1% ao mês.
Desde 2020, a Brodr já emitiu mais de 4 mil NFTs musicais. Hoje, são mais de 500 investidores cadastrados na plataforma — com uma fila de 100 artistas em planejamento para os próximos projetos.
“Para este ano, prevemos o lançamento de alguns projetos grandes, com artistas de renome, que vão ser bem interessantes para a indústria musical brasileira”, diz Ricardo.
Lançada oficialmente em Março, a paulistana Phonogram.me ainda não pôs seu catálogo “na rua”. Os primeiros ativos da startup devem chegar ao mercado este mês.
A empresa vem com uma proposta mais abrangente, que transcende a música. A ideia é dar, a artistas em geral, a possibilidade de tokenizar não só os royalties gerados pela obra (musical, visual etc.), mas também ingressos, “passaportes” para entrada no camarim ou mesmo pinturas e outros tipos de arte.
O produtor musical Lucas Mayer e a designer Janara Lopes estão à frente do negócio e fazem a curadoria dos artistas cadastrados no site. Entre as mais de 3 mil inscrições, afirmam, há também potenciais compradores.
Além de artistas independentes, a empresa atraiu o interesse de “peixes grandes”. Segundo os sócios, estão garantidos na plataforma nomes como Marcelo D2, Sepultura, Mamonas Assassinas e BaianaSystem.
A plataforma da Phonogram.me vai funcionar como uma casa de leilões virtual. Os produtos de artistas mainstream serão lançados sempre aos sábados, e os dos independentes, nos outros dias da semana.
(Foto: Phonogram.me / Reprodução)
O artista tem duas possibilidades. Ele pode ir a leilão, como se colocasse à venda um quadro numa galeria. Assim, quando um lance atinge um limite pré-estabelecido, abre-se uma contagem de 48 horas, durante as quais outras pessoas podem aumentar o lance. A Phonogram.me fica com uma taxa de 2,5% sobre o valor final da negociação.
A outra alternativa é optar por manter seus produtos reservados. Nesse caso, eles não estão diretamente à venda, mas continuam recebendo lances. Caso se chegue a um valor interessante para o artista, vender permanece como uma opção. Quando um lance é aceito, abre-se também o período de 48 horas. Lucas faz uma analogia curiosa:
“É como na churrascaria, só que aqui não tem como deixar no vermelho. Vai continuar chegando picanha — e você tem a opção de sempre dizer não”
Segundo os sócios, a ideia é dar mais autonomia para o artista sobre suas obras e os ganhos. Hoje, esse poder fica principalmente com as gravadoras e os produtores.
“Alguns acham que vão perder com isso, não enxergam todas as possibilidades”, diz Janara. “Ao falar com artistas consagrados e mais antigos, existe uma dificuldade. Mas, por enquanto, temos tido pouca resistência”.
Taynaah Reis é a fundadora e CEO da Moeda Seeds, que usa blockchain para que cooperativas rurais tenham acesso a crédito.
Em paralelo, ela mantém uma carreira musical, com composições próprias em estilo voltado para a MPB. E foi esse interesse que a levou a fundar a All Be Tuned, com sede em Brasília.
A empresa nasceu (lá atrás, em 2012) com a ideia de ser uma gravadora em que a música fosse criada de forma colaborativa. O formato acabou sendo deixado de lado e a empreendedora pivotou a All Be Tuned, que desde Março de 2021 vende NFTs de músicos brasileiros independentes.
A própria Taynaah foi cobaia. Apesar de não ter nem canções listadas no Spotify, comercializou — em 48 horas — todos os 100 tokens de sua faixa “Tudo Bem”, cada um por 333 dólares.
A empreendedora diz que a All Be Tuned já comercializou mais de 200 mil reais em tokens de uma dezena de artistas (incluindo nomes como Denis Baum, Matheus Souto, Emanueli Dalsasso e Derik Bellardi); segundo ela, há mais de 80 na fila de espera.
“Nossa demanda é enlouquecedora, não estamos dando conta. Muitos artistas vieram atrás. Nossa equipe vai atendendo caso a caso, para formatar o melhor modelo para cada um”
Para quem está começando, faz mais sentido, diz Taynaah, lançar tokens a preços fixos — deixando os leilões aos artistas de renome.
A All Be Tuned recebe de acordo com o plano escolhido pelo músico. Do mais básico (que começa em U$ 39,00) aos mais exclusivos e individualizados (até U$ 399,00).
A empreendedora diz que parte de sua estratégia é divulgar os NFTs na China (onde o mercado já é mais desenvolvido e paga mais), através das redes sociais e comunidades de investidores. “Tem brasileiro que é famoso na Ásia e nem sabe”, brinca Taynaah.
Para Junho, ela promete o anúncio de uma parceria “com um grande marketplace internacional”. O pipeline de lançamento dos próximos meses inclui, segundo a empreendedora, “mais de 100 artistas, músicos e até atletas”.
“Essa primeira leva de NFTs deve ser valorizada como uma primeira safra de vinhos”, diz Taynaah. “Só vamos enxergar de fato o valor agregado disso nos próximos dois ou três anos”.
(Taynaah Reis, fundadora e CEO da Moeda Seeds que atua por meio da tecnologia blockchain - Foto: Moeda Seeds / Divulgação)
De olho nesse mercado emergente, Luiz Calainho, da agência, produtora, gravadora e editora musical Musickeria, e Ricardo Azevedo, da corretora digital Stonoex, estão unindo forças para tirar do papel a Digitiva.
Ricardo é reticente na hora de descrever o que faz a nova empresa — ainda em fase de planejamento e desenvolvimento de projetos.
Embora pretenda lançar NFTs de obras e artistas de destaque no cenário musical brasileiro, ele faz questão de destacar que não se trata apenas disso.
“Só lançar NFTs não é suficiente. Vários projetos estão lançando, mas são experimentos… A arte precisa de ajuda por conta da pandemia e deve se atualizar em relação às novas formas de consumo. A Digitiva lança tokens — mas também quer ajudar a criar um ecossistema e forjar uma infraestrutura para esse novo mercado”.
Segundo Ricardo, há 25 projetos no forno, a serem lançados a partir de Junho.
“Grandes players tradicionais estão envolvidos, são pessoas que não entram em ‘qualquer coisa’… Não vão fazer esse movimento de forma experimental, mas sim segura, de acordo com seu projeto de carreira”.
A Digitiva nem estreou ainda, mas mobiliza, segundo Ricardo, 15 profissionais divididos entre Rio e São Paulo. A ideia é oferecer uma solução completa, do pensamento estratégico até o lançamento dos NFTs, passando pela construção da tecnologia.
Na plataforma a ser lançada, haverá lugar também para o mercado secundário de NFTs. Assim, quem compra um token pode expô-lo e comercializá-lo num espaço dedicado para isso — com alguns filtros.
“Não queremos que todo mundo entre lá e publique o que quiser. Queremos um ecossistema saudável e seguro. Neste momento inicial, qualquer ‘sujeira’ machuca bastante esse mercado e o próprio artista, que tem como ativos principais seu nome e sua carreira”.
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